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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Autores e suas Obras

A primeira pergunta que se coloca e que se mostra importante para a análise da participação brasileira no contexto da Guerra Civil Espanhola remete à questão da nossa pouca participação naquele conflito. Seria pelo fato de mantermos uma tradição histórica mais vinculada a Portugal, a razão explicativa para tanto? Uma entre outras respostas mostra a presença dominante do Estado Novo que, tendo sido gestado desde 1930, em 1937 já assumia a responsabilidade de ‘zelar’ pelo posicionamento do país, colocando-o vulnerável aos programas da esquerda.

Logicamente, num Estado como o Brasil, onde os movimentos pendulares de esquerda/direita oscilaram com freqüência e força, o efeito de situações semelhantes no exterior teria que produzir impactos. Assim mesmo, antes do estabelecimento da ditadura estadonovista, o terrorismo de direita já inibia qualquer iniciativa brasileira que se afigurasse como apoio à esquerda1. Dada a não existência expressiva de imigrantes espanhóis como noticiadores dos atos republicanos, restava à grande imprensa e às instituições comprometidas com ideários afinados com o governo motivar e controlar qualquer divulgação.

O Estado oficial brasileiro era claramente interessado em promover a versão da Guerra como ‘caos’ e ‘resultado da democracia desordenada decorrente das eleições e do regime republicano’. Nada mais oportuno que a exemplificação imediata da Espanha. Neste sentido, aliás, atuaram as máquinas propagandísticas da direita que já estavam funcionando a todo vapor desde o chamado ‘biênio negro’ espanhol (1934-36).

Na mesma linha, todo um serviço ‘saneador’ de propaganda insistia, sobretudo através do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), na mesma tecla. Isto valia para a política autoritária brasileira como um sinônimo da vontade governante, acima da Constituição e dos direitos civis suspensos em 1930 e, depois, em 1934, e novamente em 1937. Elaborou-se, então, no Brasil uma engenharia noticiosa que reorganizou as informações, instruindo-as com teor ideológico, montada para fomentar a idéia de que as esquerdas, em qualquer lugar do mundo, eram inconseqüentes e desastrosas. Assim, as notícias da Guerra Civil Espanhola tiveram um efeito de eco para mostrar a oposição como incapaz e destruidora da ordem e do progresso.

Depois de afogado o ‘movimento comunista’ do Rio de Janeiro de 1935, o ‘exemplo’ espanhol serviria para o governo brasileiro reforçar suas teses autoritárias, e, neste cenário, poderia atuar como juiz, evitando que ocorressem no Brasil os ‘desastres da Guerra Espanhola’.

Estava proibido o apoio aos republicanos. Além do governo, a grande imprensa também se situava e, logicamente, ainda que nem sempre respondendo como porta-voz único do Estado, em essência concordava com os posicionamentos da direita, mas, nos detalhes, divergia, fazendo ainda sérios ataques ao futuro ditador Getúlio Vargas.

Numa época em que os meios de comunicação internacional estavam organizados em cadeias e que o Brasil se colocava como país de certa importância no contexto econômico mundial, havia um envolvimento global interessado em mantê-lo como parte de um todo mais amplo, até em nível do noticiário. Grandes jornais, como O Estado de São Paulo, então o mais importante do país, mantinham compromisso coerente com a posição do governo no tocante ao apoio às direitas mas dentro de um projeto próprio, variante do governo. Este fato, aliás, colocou O Estado sob censura de 1939 a 1942.

Em face do posicionamento tão claro do governo central, e do controle dos órgãos noticiosos, haveria de restar aos brasileiros apenas formas alternativas de participação nos eventos espanhóis.

Na literatura brasileira, há poucos escritos a respeito do assunto e registra-se apenas um livro de memória de autoria de José Gay da Cunha, Um brasileiro na Guerra Espanhola. Escrito sob o ponto de vista do cronista, o livro traduz muito do sentido de um militar brasileiro, defendendo fora do próprio país o que não podia fazer dentro dele.













O Estado Novo não só perseguia os simpatizantes, como também promoveu controle rígido da correspondência e da produção dos cidadãos comuns e, especialmente, dos artistas. Nesse sentido, explicam-se atitudes ‘clandestinas’ como a de intelectuais que teriam facilitado viagens para brasileiros saírem do país rumo à Espanha. Aliás, entre os pontos mais instigantes do debate sobre o envolvimento do Brasil na Guerra Civil Espanhola, está o posicionamento dos jornalistas, artistas e escritores.

Se, na superfície aparente, pouco realce eles tiveram, em profundidade nota-se que houve alguma produção que, por meio de sutilezas e riscos, permitiu vazar comentários a respeito das questões em jogo na Espanha. Uma série variada de obras e atitudes de escritores, de uma ou de outra maneira, trouxeram a Espanha ao conhecimento público. Num ambiente de censura, logicamente, estas "notícias" não foram óbvias nem sem camuflagens. Também não surgiram imediatamente nem sem contornos, às vezes de difícil captação.
Com os jornais censurados, com o controle da produção artística exercido pelo Estado que atuava diretamente no resultado dos trabalhos, restava aos intelectuais a imaginação para materializar formas de solidariedade. A poesia foi o gênero mais freqüentado pelos artistas que se manifestaram a favor da Espanha republicana. Logicamente, o espaço da oposição se fazia mais importante, porque significava um duplo protesto: protesto contra a ditadura brasileira e oposição ao fascismo.

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